domingo, 30 de abril de 2017

a-cróstico dístico policromático

tem dias em que a necessidade é feita pelo prazer. hoje eu tô só por uma dose daquelas que fazem a gente relaxar, ouvir a música do estalo das cadeiras e reunir todas as personalidades numa só. cada vez que uma coisa dessas acontece, o sentido começa a se fazer sozinho, sem o esforço mental que normalmente precisamos.
lentamente, quero que o meu corpo vá levitando, que o chão torne-se fofo, que a cama seja gelatinosa. só preciso de uma pequena dose e logo desaparecerão os problemas sofridos graças à ganância dos ricos e os desamores da vida. depois de tomar a dose, tenho certeza de que a vida ressurgirá na plenitude do colorido da chuva, ou do prateado da pradaria.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

recado recebido, recado repassado

recado recebido
a arte é um ofício
assim como consertar relógios parados
e apertar botões em fábricas
não há enfeites

por isso, são preferíveis o álcool, o ópio, o ácido
o amor, o sexo e o termogênico
porque são capazes de fazerem a mola desencolher
e o reboot é só um foda-se

e poemas forçados não são poemas
escritos pretensiosos como este
costumam ser tão nocivos quanto apertar o botão azul
ou reciclar plástico
recado repassado

quinta-feira, 20 de abril de 2017

depois da frente fria, a preguiça

e de repente, depois da frente fria, veio o gelo interior. calafrios, dores inexplicáveis nas articulações e uma sensação de que tudo já deu o que tinha que dar. seria o momento certo pra tomar uma atitude adiada há muito. mas não seria possível, já que era preciso lavar a louça antes e não deixar nada para trás. e aí está: uma vida salva pela preguiça!

e de repente veio a frente fria

e de repente veio a frente fria afiar suas garras no meu apartamento. chegou acompanhada de uma garoa fininha e gelada, anunciando que é a época de se foder na vida, de olhar pra baixo e se enrolar nos cobertores. é a época de pensar que o cara que passava bêbado do outro lado da janela agora estava por aí. aquele amigo ocasional, que pedia pra despejar uns goles de cerveja numa garrafinha de água mineral, provavelmente estava mijando nas próprias calças pra aquecer o corpo por alguns instantes. é a época de comemorar porra nenhuma, a não ser a ausência do suor. então veio a frente fria pra mostrar o que é possível, sim, se desfazer daquela vontade de sair na rua pra dar aquela caminhada noturna no clima agradável. veio pra foder com a vida dos solitários, dos mendigos e de quem não tem nenhum tipo de aquecimento em casa. com ela, chegaram as músicas melancólicas, o desapontamento de um copo de água morna e uma vontade enorme de acender uma fogueira no meio da sala. aquela vontade de sentar no banco do parque ao sentir-se como um pato morto e secar-se no sol gelado. o ateísmo acompanha a frente fria, assim como a incredulidade na humanidade. e de repente veio a frente fria

terça-feira, 11 de abril de 2017

o inverno dentro do peito

era pra ser uma canção
mas a preguiça resolveu
que não


cão que morde é de lata
lado a lado ao lada
carro caro
coisa russa
reversa
conversa!
desconversa e segue o urso
que ladra, mas não morta
que morda! que merda!

mas se tu soubesses o inverno que faz aqui
dentro do peito
não teria inventado essa fuga
e se a cada passo que dei
por teres me deixado a pé
até descobririas meu desejo

mas cão que morde vira lata
ladra ao lado da ladra
e, caro carro,
minha vida está russa
reinventa
e diz que não vai conversar
sobre a ursada que sofremos
do lado de lá

sábado, 8 de abril de 2017

se drummond escrevesse um poema falando de mim
eu me chamaria joaquim
não sei formar quadrilha
nem me fingir de joão
nem pra pinto fernandes eu sirvo


sexta-feira, 7 de abril de 2017

tortura

o tempo tortura, com seu conta-gotas do caralho a quatro. a gente fica esperando a próxima gota, sempre achando que será de água fria, mas tem vezes em que é chuva ácida, trazendo cinza de vulcão ou um granizo enorme a estocar no crânio. e a gente dorme mal, não se alimenta direito e acaba recorrendo aos vícios. mas o tempo tortura, pela angústia que alimenta e nos faz querer apressar as coisas. hoje, mesmo, deu vontade de apressar a visita que os desenganados recebem dos antepassados quando a hora chega. porque o tempo tortura

quinta-feira, 6 de abril de 2017

por um novo período literário

tô escrevendo um poema revolucionário, cheio de palavras difíceis e versos irregulares. as rimas são diferentes, não mais por semelhança sonora, mas por aproximação semântica. talvez seja uma atualização dos luzíadas, mas ainda não tenho muita certeza, já que não entreguei a nenhum especialista. na verdade, não entreguei a ninguém, porque o poema pra ser revolucionário precisa chegar chegando, de surpresa, fazendo estardalhaço. não vou transcrever nenhum trecho aqui, porque vai que algum espertinho resolva se apropriar e registrar minha ideia original, genial e revolucionária. mas posso garantir: trata-se do início de uma nova vanguarda, um novo movimento, que talvez eu chame de pós-pós. já ultrapassamos todos os póses e creio que é chegado o momento de alguém romper com isso tudo, mas ao mesmo tempo resgatar. então, creio que o nome do movimento seja tão genial quanto o poema que estou escrevendo. falando nele, digo que não trata de sentimentos, nem da questão social, muito menos é metapoema. é um pós-não-poema, que contém inovações nos silêncios, sarcasmo metafórico e escárnio humanizatório. a mim, pouco importa se a poesia morreu em josé paulo paes, mário quintana, drummond e leminski. agora chegou o momento dos que estão além do tempo e do espaço ficcional e lírico! o período literário chamado pós-pós está a caminho e é melhor começarem a pensar nas questões do enem!

quarta-feira, 5 de abril de 2017

vendo

desacostumei de olhos nos olhos
tá tudo errado, tá tudo errado
planejar, cumprir metas, cuidar milimetricamente de cada ato ou ação, tudo isso é entediante, estressante e humilhante, como tentar armazenar água num filtro de café, ou aparar um gramado com navalha
por isso, prefiro a desorientação e o disperdício, especialmente do essencial
daí que acabei desacostumando com o olho no olho
justamente porque sinto a matemática no olhar do outro
e isso é desolador
tá tudo errado, tá tudo errado

comecei a vender algumas coisas as quais não tenho usado
minha paciência, minha solidão, meu prazer
tudo porque estou entrando para o grupo de pessoas que precisam do feijão e já estão dispensando o tempero
vendo tudo
com os olhos que não batem nos outros olhos
só não vendo minha dignidade, porque alugá-la me trará mais retorno
e é o meu bem mais dispensável



Google Analytics Alternative